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1 a cada 36 crianças tem autismo, diz CDC; entenda por que número de casos aumentou tanto nas últimas décadas

No Dia da Conscientização do Autismo, especialistas ouvidos pelo g1 explicam que diagnósticos estão mais acessíveis a populações desassistidas. Fatores ambientais, como idade avançada dos pais, também podem contribuir para uma variação no número de pessoas com TEA.
O autismo é um espectro, ou seja, cada pessoa experimenta diferentes combinações e traços em diversas intensidades. Foto: Reprodução.

Em 2002, os Estados Unidos registraram um caso de autismo a cada 150 crianças observadas. Em 2020, houve um salto gigantesco: um caso do transtorno a cada 36 crianças. As estatísticas são do órgão de saúde Centers for Disease Control and Prevention (CDC), que divulgou a atualização na semana passada — já que os dados são sempre anunciados pelo menos três anos após a coleta. 

Por que foi registrado um aumento tão significativo? Para responder a essa pergunta, neste Dia Mundial de Conscientização sobre o Autismo, o g1 ouviu quatro cientistas que estudam o espectro.

As principais hipóteses, que serão detalhadas nesta reportagem, são:

  • maior acesso da população aos serviços de diagnóstico;
  • formação de profissionais capazes de detectar o transtorno;
  • pais, professores e pediatras mais conscientes e informados para levantar as primeiras suspeitas;
  • ampliação da compreensão do que é autismo;
  • possíveis fatores ambientais que colaboram para a maior frequência de TEA.

Antes de ler as explicações para cada um desses itens, tenha em mente que, apesar de não existirem estatísticas referentes à população brasileira, é possível usar os números do CDC como uma referência do que está acontecendo aqui no país.

“São números que podem ser extrapolados para o mundo inteiro”, explica Alysson Muotri, pesquisador na área de genética na Universidade da Califórnia (EUA).

Não temos estimativas exclusivas do Brasil porque, aqui, o diagnóstico é feito com mais dificuldade. “É algo precário. Temos poucos profissionais especializados, e descobrir que alguém tem autismo não é tão simples. Não existe um único exame que detecte isso”, explica Patrícia Braga, professora associada da Universidade de São Paulo (USP) e pesquisadora da plataforma científica Pasteur USP.

A avaliação é multidisciplinar, a partir de uma sequência de consultas e observações clínicas com diferentes profissionais de saúde (entenda, mais abaixo, quais são os primeiros sinais de alerta manifestados pelos bebês).

Casos de autismo aumentaram nas últimas décadas — Foto: Arte/g1

– Principais hipóteses para o aumento de casos

Não há um consenso ou uma resposta única para explicar por que os casos de autismo aumentaram tanto nas últimas duas décadas. Abaixo, veja as principais hipóteses, segundo os cientistas ouvidos pela reportagem.

1- Maior acesso da população ao diagnóstico

O próprio CDC, ao divulgar os dados mais recentes, destaca que, em 2020, cresceu o número de casos de autismo entre crianças negras, latinas e hispânicas dos EUA. É um sinal claro de que grupos mais desassistidos passaram a ter acesso ao diagnóstico. Ou seja: conseguimos ver um retrato mais fiel da realidade do que em 2000.

2- Maior preparo de pediatras e mais conscientização dos professores

“Nos últimos anos, pediatras e professores estão prestando mais atenção aos primeiros sinais que as crianças podem manifestar”, explica Patrícia Braga, da USP. “Eles conseguem conversar com os pais e direcioná-los para quem realmente fechará o diagnóstico, como neuropsicólogos ou neuropediatras.”

Cristiane Cobas, neurologista infantil do Hospital Sírio-Libanês (SP), acrescenta que “hoje se fala muito mais de autismo, em publicações [científicas] e em congressos”.

“Acho que todos os pediatras de grandes centros, atualmente, conseguem levantar as primeiras suspeitas.”

3- Compreensão de que existem casos ‘leves’ também

Alysson Muotri, da Universidade da Califórnia, observa uma mudança na compreensão do que é uma pessoa com autismo.

“Antigamente, o autista era alguém completamente dependente, não verbal, que tinha convulsões e vivia em um ambiente hospitalar. Hoje, famílias lutam para que os casos de alto funcionamento, de quem consegue se expressar, também sejam enquadrados no transtorno e tenham apoio especial na escola”, afirma.

É uma compreensão mais clara de que o TEA é um grande “guarda-chuva”, que abarca pessoas com quadros bem diferentes – há desde aquelas de “grau 1”, que são mais independentes e precisam de menos suporte, até as de “grau 3”, que precisam de maior auxílio e não falam, por exemplo.

Em geral, os sintomas principais giram em torno de: dificuldades de interação social, problemas na comunicação e alteração nos interesses (como resistência a mudanças de rotinas ou maneiras diferentes de brincar). Mais abaixo, o g1 explicará quando desconfiar que uma criança tenha autismo.

4- Questões ambientais mais comuns: idade dos pais e alterações na gravidez

A ciência estuda quais fatores ambientais (externos) que, associados a questões genéticas, podem aumentar o risco de um bebê nascer com TEA. Alguns deles já são consensuais:

  • idade mais avançada do pai e/ou da mãe;
  • uso de determinados medicamentos durante a gestação (como valproato de sódio, que trata a epilepsia);
  • estresse gestacional.

Como, atualmente, ter filhos após os 35 anos é cada vez mais comum, pode haver alguma contribuição disso no aumento de casos de TEA.

“Tem gente que fala que não houve aumento da incidência, e sim do diagnóstico. Outras correntes acreditam que o risco de autismo aumentou, sim. Não há uma resposta. Eu, com 32 anos de formada, nunca vi tantos casos”, diz Cristiane Cobas, do Sírio-Libanês.

Outros fatores ambientais ainda estão sendo estudados, sem evidências científicas tão fortes, como o uso do Tylenol na gravidez e o consumo de pesticidas.

É importante deixar claro que, ao falar dessas questões externas, os cientistas analisam o que pode interferir na gestação. Nenhuma criança “adquire” o autismo depois do nascimento, por mais que o diagnóstico chegue quando ela já tem 2 ou 3 anos, por exemplo.

Atenção: o que já está mais do que provado é que as vacinas não causam autismo. Há quem ainda acredite nessa associação por causa de um boato disseminado em 1998, quando um estudo associou a vacina tríplice viral e a de sarampo a uma maior predisposição ao transtorno. Mas eram dados com uma série de falhas – o médico responsável pelo trabalho foi posteriormente impedido de exercer sua profissão, e a revista científica que havia divulgado o estudo teve de se retratar publicamente.

Por que um bebê nasce com autismo?

Como já dito nesta reportagem, o autismo tem causas genéticas e ambientais.

Em geral, ele é poligênico, ou seja, mais de um gene é afetado.

“A lista de genes alterados que podem levar ao autismo tem crescido muito nos últimos anos. Saem trabalhos quase semanalmente sobre isso. Mas acho que estamos chegando perto de um platô: são cerca de mil”, explica Muotri.

Em resumo, o transtorno pode ter origem:

  • hereditária. Para entender esse conceito, pense em um copo cheio que, quando transbordar, representará a manifestação do autismo. “Pode haver uma combinação genética de um pai que tenha genes de risco, mas que não seja autista, com uma mãe que também tenha genes de risco, sem ter o transtorno. Juntos, os dois ‘enchem o recipiente’ e geram um bebê com autismo”, explica Patrícia Braga.
  • de mutação nova, que acontece depois da fecundação do óvulo, na gestação. Pode haver uma interação com o ambiente (como a mãe ingerir algum medicamento) que serve de “gatilho” para o autismo se manifestar.
  • de mutação por causa dos gametas (espermatozoides e/ou óvulos) de pais com mais idade. “Nesses casos, pode ser apenas um gene afetado, dando origem a um autismo sindrômico, como a Síndrome de Rett”, exemplifica Braga.

Quais os sinais de alerta para procurar ajuda médica?

Os pais devem ficar atentos se o filho:

  • não estabelece contato visual com a mãe durante a amamentação;
  • não olha quando é chamado pelo nome ou quando alguém compartilha um interesse e aponta para algo;
  • não gosta do toque e prefere ficar sozinho no berço (isso não significa desgostar de carinho);
  • quando começa a andar, é na ponta dos pés;
  • tem um jeito atípico de brincar – prefere empilhar ou enfileirar carrinhos, por exemplo;
  • tem seletividade alimentar e problemas com texturas;
  • não ri de brincadeiras que os pais fazem;
  • faz gestos repetitivos, com a cabeça ou o tronco, e balança as mãos;
  • não fala ou, quando aprende a falar, repete frases de filmes, sem se comunicar;
  • fica nervoso com mudanças de rotina.

Apresentar um ou mais desses comportamentos não significa necessariamente que a criança tenha autismo, mas levanta a necessidade de os pais procurarem o pediatra.

Quando é feito o diagnóstico?

O diagnóstico é sempre clínico, baseado na observação de comportamentos da pessoa. “O pediatra levanta a suspeita e direciona para um especialista em neurodesenvolvimento. O problema é que, no Brasil, há famílias que levam de 2 a 5 anos para passar por esse processo”, diz Cristiane Cobas.

Nos melhores casos, explica Muotri, a família descobre o autismo quando a criança tem por volta de 1 ano e meio. “Antes disso, é difícil saber se é alguém que só vai demorar mais um pouco para falar. Mas, mesmo sem a certeza, é melhor iniciar o tratamento o quanto antes, já que ele não tem efeitos colaterais.”

E qual é esse tratamento?

O tratamento comprovado cientificamente é a terapia cognitivo-comportamental (ABA), que busca dar ao indivíduo as habilidades necessárias para que ele seja mais independente. É preciso saber, no entanto, que há pacientes que vão responder melhor a esses estímulos do que outros.

“A pessoa vai aprendendo atividades do cotidiano. É fundamental que o trabalho seja feito em parceria com a família, para que os treinos continuem em casa”, explica Patrícia Braga.

É um acompanhamento feito ao longo de toda a vida, diz Joana Portolese, neuropsicóloga e coordenadora do Programa de Diagnóstico do Transtorno do Espectro Autista, do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP (HC-FMUSP).

“São intervenções com fonoaudiólogos, educadores físicos, terapeutas ocupacionais, psicólogos e fisioterapeutas, por exemplo. A estratégia vai sempre sendo revista. Há melhoras, conquistas e algumas perdas”, explica.

Se a criança tiver outro sintoma associado ao TEA, como convulsão ou déficit de atenção, pode tratar essas comorbidades com medicamentos. Especificamente para o autismo, não há remédio (ainda).

Muotri, por exemplo, tenta encontrar tratamentos para o transtorno a partir do mapeamento genético dos pacientes. A ideia, explicando de maneira simplificada, é usar “minicérebros” criados em laboratório para tentar reverter as alterações nos genes causadoras do autismo.

Fonte: g1

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