A PSICANÁLISE DO NAMORO 

Raimundo Fabrício Paixão Albuquerque, advogado, psicólogo, filósofo, mestre em sociedade e cultura e professor dos cursos de Psicologia e Direito da Wyden.

Por Raimundo Fabrício Paixão Albuquerque 

O namoro seria um palco onde desfilam, sem convite, todos os nossos fantasmas afetivos? A psicanálise do namoro revela que o amor raramente é um encontro de duas pessoas  no presente. É, na verdade, uma reunião de comitê: você, seu parceiro, e todas as sombras que o inconsciente teima em projetar sobre o outro. O inconsciente não conhece o tempo. Ele não distingue ontem de hoje, nem mede distâncias com calendários. Gosto, dor, amor, afeto — tudo isso pertence à consciência, que é onde o tempo existe. Mas no inconsciente, tudo simplesmente é. E o que isso tem a ver com nossas escolhas amorosas? Muito. 

Uma situação vivida há 20 anos pode parecer resolvida para a consciência — algo distante, superado, arquivado. Mas, se essa experiência foi parar no inconsciente, ela não terminou. Não foi um ponto final, apenas uma vírgula. E então, ao reencontrá-la — por um olhar, um cheiro, uma voz — você não apenas se lembra. Você revive. Como se o tempo não tivesse passado. Como se tudo tivesse acontecido há poucos segundos. 

Quer um exemplo simples? Conto uma história. João se apaixonou perdidamente por Maria. Ela, no entanto, sempre o manteve por perto com migalhas de esperança, mas jamais se entregou. Nunca tiveram nada de concreto. Cansado de insistir, João decidiu esquecê-la. E conseguiu. Anos depois, entrou em um novo relacionamento, construiu outra vida. Na consciência, Maria já era apenas uma lembrança amarelada pelo tempo. 

Até que, dez anos depois, o telefone toca. É Maria. 

João pensa: “Já superei. Não sinto mais nada. Vou atender, ser gentil, mostrar que estou bem.” Mas algo estranho acontece. Bastam dez minutos de conversa, e tudo volta. A conexão. O desejo. A sensação de que nada havia mudado. Era como se o tempo tivesse sido uma ilusão. Como se ele a tivesse visto ontem pela última vez. 

Assustado, João se pergunta: “Como isso é possível?” A resposta está no inconsciente. Ele guardou a representação viva de Maria. Ela não era só uma lembrança, mas uma experiência afetiva congelada no tempo — esperando o cenário certo para emergir com força total. 

Esse é um exemplo de como os conteúdos do inconsciente são atemporais. O nosso inconsciente guarda representações daquilo que um dia já vivemos. Representações que, apesar de antigas, armazenadas no inconsciente, quando retornam à consciência, vêm de maneira vívida — como se fossem vividas no presente. 

Essas representações são despertadas quando nos deparamos com um cenário semelhante àquele que, em algum momento, já nos atravessou profundamente. É isso que pode explicar o chamado “amor à primeira vista”. Você encontra alguém pela primeira vez, e algo, sem aviso, se move dentro de você. Uma química repentina, quase inexplicável, toma conta — e, de repente, casar em três meses parece natural. Curioso, sobretudo quando se pensa que essa mesma pessoa passou cinco anos em outro relacionamento dizendo que “não podia apressar as coisas”. 

A verdade é que o novo encontro despertou uma imagem antiga, adormecida no inconsciente. E, quando isso acontece, o tempo consciente simplesmente perde o sentido. Já sentiu isso na pele? Não é coincidência quando aquele jeito específico de virar a cabeça ao rir, ou certa timidez que se esconde atrás das palavras, te atravessam feito relâmpago. É o inconsciente reencenando um roteiro escrito há décadas nas paredes da sua alma. Lacan tinha razão ao dizer que ‘amar é dar o que não se tem a quem não é’. E assim, sem nem notar, a gente vai escolhendo parceiros que ecoam dinâmicas passadas — como se o coração sussurrasse: “Tenta de novo. Desta vez vai dar certo”. 

Agora, pense no Dia dos Namorados. Quantos casais, hoje, não estão revivendo emoções que acreditavam enterradas no tempo? Uma música que toca no rádio. Um presente mal escolhido. Um jantar à luz de velas que traz a lembrança de outro — talvez melhor, talvez pior. É nesse dia que o inconsciente resolve exibir sua coleção de memórias afetivas: “Olha aqui aquele beijo de 2009! E aquele silêncio de 2014!”.  

É também nesse dia que surgem as representações secretas do “amor ideal”, do “par perfeito”, da “felicidade plena”. E, se o presente não corresponde ao que o inconsciente projetou, a frustração não pede licença: entra e se senta bem no meio da sala. 

Mas nem tudo é tragédia romântica. O Dia dos Namorados também pode ser um bom momento para construir novas lembranças. Para criar outras cenas que, um dia, serão guardadas no sótão do inconsciente como pequenas preciosidades: um olhar sincero, um abraço demorado, um riso compartilhado entre duas taças de vinho barato. 

No fim das contas, o amor é exatamente isso: um palco onde o passado entra sem ser chamado, o presente tenta manter a pose e os dois se atrapalham no compasso. Ainda assim, seguem dançando, mesmo que fora do ritmo. 

Raimundo Fabrício Paixão Albuquerque, advogado, especialista em direito ambiental, mestre em Sociedade e Cultura (UFAM), doutorando em Ciências Ambientais pela UFAM. Professor de Direito na Martha Falcão – Wyden.

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