A urgência do cuidado, a responsabilidade da ação

Melquides Felipe de Gois Maia Neto (Foto: Divulgação)

Por Melquides Felipe de Gois Maia Neto

O dia 18 de maio é mais do que uma data marcada no calendário nacional. Trata-se de uma convocação coletiva à memória, à indignação e ao compromisso ético com a infância e adolescência brasileira. Instituído oficialmente como o Dia Nacional de Combate ao Abuso e à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes, este marco nos convida a encarar uma realidade silenciada: milhares de meninos e meninas são submetidos diariamente a violências sexuais que, além de dilacerarem sua integridade física e emocional, comprometem profundamente seus projetos de vida.

Como psicólogo e professor, atuando também na pesquisa sobre as políticas públicas voltadas à proteção infantojuvenil, compreendo o 18 de maio como uma data de resistência e denúncia, mas também como um momento de mobilização concreta para enfrentarmos os inúmeros obstáculos que ainda existem. Em recente artigo científico, publicado em parceria com colegas do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal do Amazonas (PPGPSI/UFAM), realizamos um mapeamento da cobertura dos equipamentos públicos de enfrentamento à violência sexual na Região Norte do Brasil. Os resultados foram estarrecedores: a grande maioria dos estados da região apresenta cobertura baixa ou insuficiente de serviços essenciais como os CREAS e CAPSi, que são fundamentais para o acolhimento e atendimento psicossocial das vítimas.

Essa carência de políticas públicas eficazes traduz-se em vazios assistenciais que colocam em risco a proteção de nossas crianças e adolescentes. Municípios inteiros, especialmente nas regiões ribeirinhas e indígenas, não contam com nenhum equipamento especializado. Isso significa que quando uma situação de violência sexual é identificada, não há para onde encaminhar a vítima, não há escuta qualificada, nem acompanhamento psicológico contínuo. Nessas condições, a própria rede de proteção se vê fragilizada, e a responsabilização do agressor torna-se ainda mais difícil, contribuindo para a impunidade e para a perpetuação do ciclo de violência.

Além da ausência de equipamentos, outro fator crítico é a falta de equipes multidisciplinares capacitadas para lidar com casos de violência sexual. Nos locais onde existem serviços, é comum encontrarmos psicólogos e assistentes sociais sobrecarregados, sem supervisão técnica ou formação específica em escuta especializada. Essa precariedade profissional compromete o cuidado integral, gerando retraumatização das vítimas e atendimentos fragmentados. É urgente que as políticas públicas não apenas ampliem a rede de atendimento, mas invistam na qualificação continuada dos profissionais que nela atuam.

Enquanto educador, acredito que o ambiente universitário também tem um papel essencial na transformação dessa realidade. A formação de futuros psicólogos, pedagogos, assistentes sociais, enfermeiros e outros profissionais da saúde e da educação deve incluir uma abordagem crítica sobre a violência sexual e sua interseccionalidade com desigualdades de classe, raça e território. É preciso romper com o silêncio institucional e propor práticas pedagógicas que fortaleçam o senso de responsabilidade social e a ética do cuidado.

Também é necessário reconhecer que a violência sexual contra crianças e adolescentes não é apenas um problema individual ou familiar, mas um fenômeno estrutural, que se alimenta da negligência estatal, do machismo, da adultização da infância e da impunidade. Combater essa violência exige políticas públicas articuladas, baseadas em evidências, com orçamento garantido, fiscalização rigorosa e, sobretudo, escuta ativa das crianças e adolescentes.

Neste 18 de maio, é fundamental ir além das campanhas de conscientização. Precisamos transformar nossa indignação em ação concreta, cobrar do poder público a ampliação da rede de atendimento, fortalecer o Sistema de Garantia de Direitos e atuar de forma preventiva nos espaços educativos, comunitários e institucionais. Denunciar a violência é um ato de proteção. Mas prevenir é, antes de tudo, um compromisso com a vida.

Que esta data nos lembre que proteger a infância é proteger o futuro. E que nossa atuação, seja como profissionais, pesquisadores, professores ou cidadãos, esteja à altura do desafio que é garantir um Brasil onde toda criança e adolescente possa crescer livre de violência, com dignidade, afeto e oportunidades.

Melquides Felipe de Gois Maia Neto, Psicólogo e Professor da Faculdade Martha Falcão Wyden.

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