Brasília (DF) – O governo de Joe Biden, nos EUA, procurou interlocutores brasileiros, pedindo que o Palácio do Planalto e o Itamaraty atuem para acalmar a situação na fronteira entre Venezuela e Guiana, evitando que a crise saia do controle.
A Casa Branca está de fato preocupada com a tensão na América do Sul, mas sabe que não pode e não tem condições de lidar com a crise neste momento. Para Washington, o Brasil seria um ator “adequado” para agir no sentido de evitar uma escalada militar. Nas conversas, os americanos consideram que o governo Lula estaria numa posição privilegiada para promover esse diálogo.
Os contatos entre americanos e brasileiros estão ocorrendo “de forma constante” nos últimos dias, segundo fontes do alto escalão no Executivo.
A pressão envolveria duas ações simultâneas:
Venezuela – um alerta claro para Maduro de que, se ele seguir com esses planos, não haverá qualquer chance de retirada das sanções internacionais que asfixiam sua economia e que todo o avanço nas negociações com a oposição será interrompido.
Guiana – um recado de que o fato de contar com a simpatia diplomática, militar e política dos EUA não significa que o governo local deve endurecer seu discurso ou se sentir empoderado, evitando qualquer tipo de diálogo.
Brasília, de fato, ofereceu a capital brasileira para sediar conversas entre os dois lados. Diplomatas aguardam ainda para saber de que forma as propostas foram recebidas, tanto pelo governo de Nicolás Maduro como pela Guiana.
O presidente venezuelano violou a Corte Internacional de Justiça e foi adiante com uma votação na qual consultava a população se deveria haver uma anexação de dois terços do país vizinho. O resultado, segundo Maduro, foi amplamente favorável ao seu plano.
Para os americanos, porém, existem alguns temores diante dos últimos acontecimentos.
Em primeiro lugar, o governo Biden considera que não há como existir mais um local de tensão territorial no mundo, depois da guerra na Ucrânia e a situação em Gaza. Um conflito militar na América do Sul seria “desastroso”.
Biden ainda considera sua própria situação doméstica. A partir das próximas semanas, a eleição americana dominará sua agenda. O presidente ainda precisa disputar o voto dos latinos nos EUA, cada vez mais influenciados pela questão venezuelana.
Outro argumento se refere à retirada de sanções contra a Venezuela e que começam a ser avaliadas no governo americano. O temor da administração Biden é que, no campo de Donald Trump, a eventual invasão seja vendida como uma “prova” da fraqueza dos democratas.
A narrativa que estaria sendo construída seria que, ao retirar as sanções, agora os venezuelanos usam o dinheiro para invadir outro país. Uma crise militar, portanto, daria razão aos apoiadores de Trump e de sua política para a América do Sul.
Lula, Amorim e Vieira acertam estratégia
Diante do pedido americano e da urgência da situação, o chanceler Mauro Vieira, o assessor especial Celso Amorim e Lula mantiveram na quarta-feira uma conversa para determinar qual seria a estratégia que o Brasil adotaria, principalmente diante da cúpula do Mercosul que ocorreu no dia seguinte.
A decisão foi a de assumir a responsabilidade por uma intermediação sul-americana, na figura da Celac, órgão que teria mais chance de ter respaldo que a OEA, vista como inimiga de Caracas.
Para completar, a Celac é presidida neste momento por Ralph Everard Gonsalves, primeiro-ministro de São Vicente e Granadinas. Por ser um país caribenho, ele teria espaço para diálogo tanto com a Guiana como com Maduro.
Diplomatas brasileiros consideraram que a estratégia de colocar as instituições latino-americanas para lidar com a crise parece ter sido uma boa escolha. Por enquanto, comentam os negociadores do Palácio do Planalto, não houve uma nota de repúdio por parte de Maduro.
Um dos temores era que, depois da declaração da cúpula do Mercosul, o venezuelano afirmasse que aquilo seria uma ingerência externa nos temas domésticos de seu país. Mas, pelo menos por enquanto, Caracas não se manifestou neste sentido.
Fonte: UOL