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Cannabis medicinal: importação de produtos cresce 93% em 12 meses, apontam dados da Anvisa

Agência vetou importação de partes da planta in natura.
Foto: Stringer/REUTERS/Arquivo

A importação de produtos à base de cannabis aumentou 93% no Brasil nos últimos 12 meses, de acordo com dados da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Forma de administração principal dos princípios ativos da cannabis são os óleos, pomadas e medicamentos orais, que continuam liberados para pacientes com receita médica.

O crescimento acompanha uma tendência global de redescoberta de princípios ativos da planta cannabis (popularmente conhecida como maconha) para tratamento de sintomas de condições que vão desde a epilepsia e o Parkinson até a ansiedade e a depressão. O uso recreativo da planta é ilegal no Brasil.

Desde 2015, a Anvisa libera a importação de produtos derivados da cannabis. As formas de administração terapêutica mais comum são os óleos, as pomadas, os extratos e ainda medicamentos (alguns já disponíveis em farmácias).

No primeiro ano, foram 850 autorizações. Agora, somente em junho deste ano, foram mais de 13,5 mil pedidos atendidos para pacientes que buscavam importar os produtos.

Entre julho de 2021 e junho de 2022, foram 58.292 pedidos atendidos. Já nos 12 meses entre julho de 2022 e junho deste ano, foram 112.731 autorizações, um aumento de 93%.

Veto às flores

Neste mês, a agência vetou a importação de partes da planta in natura. Em algumas situações, médicos indicavam a vaporização (aquecimento da erva em dispositivos semelhantes aos dos cigarros eletrônicos) de porções de variedades da cannabis que oferecem altas concentrações de canabidiol (CBD).

O farmacêutico Fábio Costa Júnior, que é coordenador na Associação Brasileira das Indústrias de Cannabis (ABICANN) e consultor em projetos de cannabis e cânhamo, explica que as flores são a região da planta onde estão os fitocanabinóides, terpenos e flavonóides que têm potencial terapêutico.

“A via inalatória promove uma absorção mais rápidas dos fitocanabinóides, tornando-os mais biodisponíveis gerando um benefício praticamente imediato”, explica, fazendo a ressalva de que, se usadas de maneira errada, “podem ter atividade psicotrópica” devido à forma de absorção: tecnicamente quando se inala a flor não se tem um controle exato da concentração usada como em um produto manufaturado.

Ele aponta que o veto da Anvisa veio depois de uma exploração comercial equivocada das brechas legais. “Em sites da internet e redes sociais, se constatou propaganda de venda de flores em nome da Anvisa para finalidade não direta à saúde, mas com pretexto de ser saúde, descaracterizando a racionalidade de uso. Desta maneira os inocentes pagam pelos oportunistas, infelizmente!”, analisa o coodenador da Abicann.

Indicações da vaporização

A nutróloga Paula Pileggi Vinha, mestre em clínica médica pela Universidade de São Paulo (USP) e estudiosa das aplicações da cannabis na medicina, explica que a indicação da cannabis vaporizada estava longe de ser predominante no total de receitas. A Anvisa não divulgou um balanço sobre os tipos de pedidos concedidos.

Paula Vinha afirma que a vaporização da planta é indicada em situações nas quais era preciso uma entrega rápida do CBD, como nos casos de crises ou dores. A ação do óleo pode demorar entre 1 hora e 2 horas, enquanto a administração vaporizada tem efeito imediato.

Além das crises, o consumo in natura era usado como estratégia de “resgate”, como alternativa temporária, por exemplo, no caso de um jovem paciente que usava altas doses diárias de haxixe e tabaco.

“É uma forma de libertar o paciente de um vício que ele tem”, explica Paula Vinha. “O médico nunca pode receitar a cannabis fumada. A gente tem dispositivos corretos”, afirma. “A proibição vai lesar os pacientes que precisam”, diz a médica.

Para a Anvisa, a forma de administração que pode ser feita com a planta in natura não é a indicada. “A combustão e inalação de uma planta não são formas farmacêuticas/vias de administração de produto destinado ao tratamento de saúde”, apontou a agência na nota técnica número 35/2023.

Campo de estudo e mercado em alta

De acordo com dados da Kaya Mind, empresa especializada em inteligência de mercado para o setor da cannabis e mercados afiliados, o Brasil já conta com mais de 180 mil pacientes. “A Kaya mapeou mais de 80 empresas e 1900 produtos relacionados à cannabis que estão ao alcance dos brasileiros”, afirma relatório sobre o mercado brasileiro em 2022.

Segundo a médica Paula Vinha, que é a responsável científica pela 2ª edição da Conferência Internacional da Cannabis Medicinal (CICMED), que ocorre em 4 e 5 de agosto em São Paulo, o país tem cerca de 3 mil médicos prescritores de produtos de cannabis.

Ela conta que, na primeira edição da conferência, foram 600 profissionais de saúde. Neste ano, são esperados mil participantes das mais diversas áreas, incluindo também odontologia e veterinária.

“O tema está crescendo muito. (…) Se você trata o seu paciente e não pensa na modulação do sistema endocanabinoide, está deixando uma coisa importante de lado”, afirma Paula Vinha.

O consultor da Abicann lembra que existem mais de 90 países que regulamentaram o uso terapêutico por meio dos fitoativos da cannabis sativa e aproximadamente 30 regulamentaram o cultivo.

“A Alemanha regulamentou o cultivo para aplicação em saúde e estabeleceu a venda de certos perfis de genéticas de flores de cannabis para serem dispensadas em farmácias e drogarias por apresentação da receita médica. Esta padronização permite controle por rastreabilidade do cultivo, evitando desvios de conduta e contaminações”, explica Fábio Costa.

O farmacêutico lembra que há um excedente de flores no mercado europeu, americano e uruguaio, mas o rigor sanitário exige pesquisas e estudos clínicos que tragam racionalidade do uso em escala, eficaz e seguro da planta in natura.

“Para uma evolução coerente do cenário brasileiro, precisamos do avanço legislativo regulatório, permitindo o cultivo em vários níveis, para diminuir custo de manufatura, ampliar o desempenho tecnológico, qualificar mão de obra, gerar mais empregos e expandir o acesso ao tratamento, no mínimo”, avalia Fábio Costa Jr.

Fonte: g1

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