Maués (AM) – O Polo de Maués da Defensoria Pública do Estado do Amazonas (DPE-AM) realizou, na última semana, um processo seletivo para estagiários falantes da língua Sateré Mawé. Os candidatos inscritos participaram de uma simulação de atendimento a um assistido juntamente com as defensoras públicas que atuam no município e com um servidor da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai).
A defensora pública Daniele Fernandes conta que teve a oportunidade de vivenciar as demandas e peculiaridades parecidas no Polo do Alto Rio Negro, em São Gabriel da Cachoeira, logo após tomar posse como defensora. “O Polo conta com estagiários que falam diversas línguas indígenas porque lá a demanda dos assistidos indígenas é muito grande”, ressalta Daniele.
Ao chegar em Maués, Daniele identificou a demanda semelhante entre os povos indígenas da região, especialmente os Sateré Mawé. Segundo ela, a iniciativa visa fortalecer o acesso à Justiça e os serviços oferecidos à comunidade local. “Começamos a presenciar uma procura massiva do povo Sateré Mawé aqui para o nosso Polo. Passamos a ter atendimentos diários de falantes da língua Sateré”, relembra a defensora pública de Maués.
Ela relata que uma das principais dificuldades encontradas foi a comunicação, uma vez que muitos assistidos falavam apenas Sateré e não havia alguém na Defensoria que pudesse desempenhar esse papel de tradução. “Algumas vezes as pessoas que vinham falavam Sateré e também falavam português, mas em muitas outras só falava Sateré e não tínhamos ninguém na Defensoria para fazer esse papel de tradutor”.
Diante desse cenário, a presença de estagiários fluentes em Sateré Mawé se tornou uma necessidade. “É fundamental que tenhamos estagiários que possam auxiliar na comunicação e no entendimento das demandas específicas dessas comunidades”, afirma Daniele.
O processo seletivo de estágio para o Polo de Maués é uma oportunidade não apenas para os estudantes interessados em vivenciar uma experiência prática na área jurídica, mas também para contribuir significativamente para o acesso à Justiça e o fortalecimento dos direitos das comunidades indígenas da região, conforme explica o coordenador da Funai em Maués, Artur Batista, que está há 37 anos atuando na fundação.
“Eu sempre ajudei as defensoras na tradução de forma informal, quando elas me pediam esse apoio. Por isso acho importante esse processo seletivo, pois agora teremos uma pessoa fixa para essa função. Ter uma pessoa bilíngue é importante em todas as instituições. Já pensou em um advogado bilíngue? Um médico bilíngue? Um enfermeiro bilíngue? É um sonho que sempre tive, que nossos parentes tenham acesso a todos os direitos que um cidadão brasileiro possui”.
O universitário Djalma Santana, de 38 anos, participou da seleção e se sentiu feliz com a oportunidade. “É a primeira vez que vejo uma iniciativa como essa e fico satisfeito com isso”, relata Djalma, que é da etnia Sateré Mawé e aprendeu a falar português ao se mudar para a sede de Maués, aos 15 anos, para estudar. “Mesmo morando na cidade, eu sempre passei as férias na minha aldeia para não perder minha identidade”, enfatiza.
Pamela Iana, 18, fez o caminho contrário. Ela nasceu em Maués e a mãe, preocupada, decidiu levá-la com seis anos para a aldeia. “Nasci na cidade, mas cresci na comunidade indígena porque minha mãe teve medo que eu não aprendesse a nossa língua materna e a nossa cultura. Hoje sou muito grata por falar português fluente e a minha língua materna com fluência”.
No Polo do Alto Rio Negro, em São Gabriel da Cachoeira, a prática “Poranga Pesika – Por uma Defensoria Intercultural”, foi uma das vencedoras do Prêmio Destaque Márcio Thomaz Bastos na 20ª Edição do Prêmio Innovare, em 2023. Neste Polo, os intérpretes de línguas indígenas são parte fundamental do protocolo de atendimento da Defensoria Pública.