Ex-secretário de segurança e ex-comandante-geral da PM do Amazonas tornam-se réus por morte de indígenas no rio Abacaxis 

Ao todo, 11 PMs viraram réus por envolvimento na morte de dois indígenas da etnia Munduruku

Nova Olinda do Norte (AM) – A Justiça Federal no Amazonas recebeu três denúncias oferecidas pelo Ministério Público Federal (MPF) e tornou réus 11 policiais militares envolvidos na morte de dois indígenas da etnia Munduruku. Entre os policiais envolvidos estão o então secretário de Segurança Pública, Louismar Bonates,

e o então comandante-geral da Polícia Militar no Amazonas, Airton Norte.

Os policiais também foram denunciados pelo envolvimento na morte de uma família ribeirinha de quatro pessoas e de outro morador tradicional na região do Rio Abacaxis, no município de Nova Olinda do Norte, no interior do Amazonas. 

Todos responderão, nas três ações penais, pelos crimes de homicídio qualificado, ocultação de cadáver, sequestro e cárcere privado.
 
Em agosto de 2020, foram iniciadas investigações para apurar crimes decorrentes de abusos e ilegalidades cometidos por policiais do estado do Amazonas contra ribeirinhos e indígenas na região dos Rios Abacaxis e Mari-Mari, nos municípios de Nova Olinda do Norte e Borba. Segundo as investigações, sob o pretexto de combater o narcotráfico na região, a atuação buscava, na verdade, vingança pela morte de dois policiais e pelos ferimentos causados em outros dois policiais. Tais eventos ocorreram dias antes da realização da operação policial que resultou na morte dos indígenas e dos ribeirinhos.
 
De acordo com as denúncias do MPF, dois indígenas foram mortos e o corpo de um deles foi destruído, a fim de assegurar a impunidade do homicídio. Horas depois, os policiais abordaram uma família ribeirinha de quatro pessoas, sendo que três dessas pessoas foram mortas e tiveram os corpos destruídos, também com o objetivo de ocultar a prática dos crimes dolosos contra a vida. Um dos ribeirinhos, sequestrado pelos policiais no mesmo contexto fático, não teve o corpo encontrado, estando desaparecido.
 
No dia seguinte, os policiais denunciados mataram e ocultaram o cadáver de outro morador do território tradicional, promovendo o desaparecimento de seu corpo e da embarcação na qual ele viajava.
 
O MPF entende que as mortes foram praticadas por motivo torpe (vingança pelas mortes e ferimentos de policiais), com emprego de recurso que dificultou ou tornou impossível a defesa das vítimas e em ação típica de grupo de extermínio.

Para o MPF, indígenas e ribeirinhos foram diretamente afetados em seus direitos coletivos, seu modo de vida, seus costumes, cultura e organização social, uma vez que, ao tempo dos fatos, por ocasião da operação policial e dos homicídios, muitos indígenas e ribeirinhos não puderam se movimentar livremente em seus territórios. O caso teve repercussões negativas sobre a alimentação, saúde e bem-estar desses povos no período da pandemia de covid-19. Além disso, os crimes foram praticados nos territórios tradicionais (área indígena e projeto de assentamento extrativista).

Pelas mortes, o MPF requer, em cada denúncia, que os denunciados sejam condenados pelas infrações penais que praticaram, percam os cargos públicos que ocupam na Polícia Militar e sejam condenados a pagar R$ 500 mil às famílias das vítimas, a título de valor mínimo de reparação dos danos morais causados.

Denúncia por homicídio qualificado, fraude processual e tortura

Ainda em relação ao caso, o Ministério Público Federal ofereceu denúncia contra cinco policiais militares, dois deles também denunciados nas ações penais mencionadas anteriormente. Na nova denúncia, os policiais são acusados de tortura a ribeirinhos na Comunidade Santo Antônio do Lira, de homicídio qualificado de um ribeirinho (atingido por disparo de arma de fogo pelas costas) e de fraude processual, diante da inovação artificiosa no estado de lugar, coisa ou pessoa, com o objetivo de sustentar uma inexistente ocorrência de legítima defesa.  
 
Denúncia por tortura

Sobre a mesma série de violação a direitos, a Justiça Federal recebeu denúncia, no último mês de fevereiro, contra três policiais acusados de torturar um homem – então presidente de associação local que defendia os interesses dos ribeirinhos na região do Rio Abacaxis. Com a tortura, eles buscavam ter a contribuição do homem com a identificação e a localização das pessoas que participaram do confronto que resultou na morte de dois policiais e no ferimento de outros dois policiais.

Pelo crime de tortura, o MPF requer que os denunciados percam os cargos públicos que ocupam na Polícia Militar e na Polícia Civil, bem como que sejam condenados a pagar R$ 100 mil à vítima, a título de valor mínimo de reparação dos danos morais causados por causa da tortura sofrida.
 
Denúncia por fraude processual

As investigações indicaram que a tortura, cometida por grupo de policiais, foi realizada no interior de um hotel na cidade de Nova Olinda do Norte. No decorrer das investigações, a autoridade policial solicitou as imagens das câmeras de segurança do referido hotel, entretanto, foi entregue um HD que não continha nenhuma gravação. Sendo assim, os responsáveis pelo hotel tornaram-se réus e responderão pelo crime de fraude processual pelo desaparecimento do HD com as imagens das câmeras de segurança que poderiam indicar outros autores do crime de tortura, além dos três identificados e denunciados.
 
Acompanhamento do caso

Pela sistemática e generalizada violação de direitos humanos ocorrida no contexto da operação policial, contra indígenas e ribeirinhos, os desdobramentos do caso são acompanhados pelo Conselho Nacional dos Direitos Humanos, pelo Coletivo pelos Povos do Abacaxis (composto por organizações da sociedade civil), pela Defensoria Pública da União e pela Defensoria Pública do Estado do Amazonas.

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