Hong Kong (CN) O gaúcho Mateus Martins vive na China há mais de 15 anos e aos poucos se tornou uma celebridade na região de Guangdong, ao norte de Hong Kong. Aproveitando a paixão pelo futebol do presidente chinês, Xi Jinping, que impôs a modalidade nas escolas do país desde que chegou ao poder, o brasileiro adotou um método de ensino do esporte que já formou algumas das estrelas do gramado.
Em um clima de festa com ares patrióticos, centenas de crianças se reúnem em fila indiana, balançando bandeiras no gramado de uma escola de Guangzhou, capital da província chinesa de Guangdong (Cantão). Apesar da chuva fina e do dia cinzento, cada grupo, que representa um estabelecimento de ensino da região, faz sua coreografia diante de uma mesa de personalidades, misturando movimentos acrobáticos, artes marciais e passes de bola.
Como tudo na China, um simples evento escolar logo se torna uma superprodução. A bandeira chinesa é hasteada com pompa de festa nacional, as equipes da televisão local filmam tudo e até drones são usados para não perder nenhum lance, principalmente a performance da estrela do programa: o brasileiro Mateus Martins.
Dono de uma escolinha de futebol e bastante presente na mídia local, o gaúcho fala chinês fluentemente e brinca com todos por onde passa. “Sou conhecido praticamente como um chinês pelos quase 16 anos que vivo aqui”, lança o gaúcho. “Meu nome em chinês é Martinsê e a gente trabalha com a associação de futebol do Estado, junto com outros clubes de futebol, em parcerias com escolas, passando um pouco da alegria do nosso futebol brasileiro. Passando um pouco dos nossos segredos e de como o esporte, sem muita pressão, pode ser um instrumento de motivação que pode mudar a vida das pessoas.”
No evento de Guangzhou, Mateus faz embaixadinhas ao som de Shakira, chama as crianças para participar no palco, e cria um verdadeiro clima de festa. Os pequenos chineses deliram quando o brasileiro vai até o gramado, brinca com a bola e é logo cercado pelas centenas de meninos e meninas. No final, o gaúcho, que também atuou como comentador esportivo na televisão local durante a Copa do Mundo do Catar, distribui autógrafos, confirmando a sua popularidade.
Segunda chance na carreira
Ao contrário de muitos jogadores que fizeram carreira no exterior, Mateus chegou na China sem pretensões de atuar nos gramados. Quando se mudou para a Ásia para viver com o irmão, que já morava em Dongguan, uma das cidades com o maior número de brasileiros na China, ele estava deixando a carreira discreta de jogador que havia começado no Brasil, quando passou principalmente por times regionais de futebol e futsal. A ideia com a mudança de país era trabalhar na indústria calçadista, assim como muitos dos compatriotas que viviam na época na região. Mas logo a paixão pelo futebol falou mais alto e ele começou a jogar em times locais.
Em pouco tempo o estilo do brasileiro conquistou os chineses e ele abriu sua própria escola, aproveitando um evento político que, indiretamente, mudou sua vida: a chegada de Xi Jinping ao poder, em 2013. O presidente nunca escondeu ser fanático por futebol e, partir de 2015, tornou a modalidade obrigatória nas escolas do país.
“Foi um divisor de águas”, resume Mateus. Segundo ele, até então o esporte era visto como muito violento para ser praticado por crianças. “Eles diziam que preferiam colocar uma rede no meio da quadra e deixar os alunos jogando peteca para que ninguém se machucasse”, relembra. “Houve uma quebra desse paradigma”, diz o gaúcho, que começou a ser contactado por escolas para implementar um método de ensino.
Mas o segredo do sucesso de Mateus é a maneira como ele ensina o futebol, visto antes de mais nada como uma forma de lazer, em um país onde a produtividade e a exigência são a regra.
“O sistema chinês é muito rígido e ensina as crianças com muita disciplina, com muita pressão. E eu quis trazer uma maneira diferente de passar essa didática, com alegria, fazendo com que as crianças aprendessem enquanto brincam e brincassem enquanto aprendem. O nosso slogan aqui é o happy football”, explica.
“Crianças de apartamento”
Um dos aspectos do método do gaúcho é a vontade de melhorar as condições físicas e motoras dos alunos antes mesmo de começar a jogar. “Chamamos os asiáticos de ‘crianças de apartamento’, pois nunca subiram em uma árvore, estão só ligados em iPad, iPhone, e estão com déficit de coordenação motora. Elas chegam aqui sem saber correr. Não conseguem fazer um zigzag. E nós, brasileiros, já temos essa base. A gente passa a vida jogando bola, chutando qualquer coisa. Essa coordenação motora a gente já tem”, afirma Mateus, que começa as aulas sem bola, até que os alunos consigam se movimentar corretamente em campo.
Mas foi principalmente a dimensão afetiva e descontraída que conquistou os chineses, que solicitam o brasileiro para atuar em escolas e associações em toda a região. “Estou ensinando os chineses a maneira que os brasileiros gostam do futebol, que é com muito amor”, diz Mateus. “Além disso, eu gosto de falar para as crianças que no começo elas não precisam ser melhores que suas coleguinhas. Elas têm que ser melhor do que elas próprias. E, depois, com mais tempo, desenvolvendo as suas aptidões, a gente consegue, tendo uma base, ensinar para eles algumas coisas ligadas a quem realmente quer o tem a pretensão de ser um jogador de futebol.”
E o método do gaúcho deu certo. A tal ponto que alguns dos alunos de Mateus integraram times profissionais na China e no exterior e hoje técnicos chineses já agradecem o brasileiro que treinou alguns de seus jovens talentos.