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Justiça anula doação de área do Ibama destinada à soltura de animais silvestres em Manaus

Único espaço no Amazonas disponível para reabilitação da fauna, Cecan foi doado após ser considerado desnecessário
Foto: Agência Brasil

A Justiça Federal suspendeu a doação do Centro Experimental de Criação de Animais de Interesse Científico e Ecológico (Cecan), localizado em Manaus (AM). A área de mais de 14 mil hectares é a única no estado reservada à soltura de animais silvestres resgatados pelo Ibama e abriga centenas de espécies, incluindo o sauim-de-coleira, ameaçado de extinção. Porém, apesar de sua importância, o imóvel havia sido doado à Secretaria de Patrimônio da União (SPU) em janeiro de 2022, com o argumento de que era “desnecessário às finalidades” do órgão ambiental.

Com a decisão judicial, o Cecan deverá ser restituído à administração da Superintendência do Ibama no Amazonas. Além disso, o instituto e a União ficam impedidos de destinar a área a fins distintos ou incompatíveis com a proteção do meio ambiente. A tutela de urgência foi concedida pela 7ª Vara Federal da Seção Judiciária do Amazonas, atendendo aos pedidos feitos pelo Ministério Público Federal, em ação civil pública ajuizada este ano.

A doação do Cecan foi oficializada em janeiro de 2022, após ser oferecida à SPU pelo então presidente do Ibama, Eduardo Fortunato Bim. O contrato celebrado entre o instituto e a União incluía a doação de 278 imóveis pertencentes ao órgão ambiental, os quais, assim como o centro de criação de animais em Manaus, foram considerados inservíveis e desnecessários. No entanto, todas as tratativas de doação dos espaços foram feitas em Brasília, na sede do Ibama, sem qualquer participação ou avaliação técnica das superintendências do instituto. Para a Justiça, isso coloca “em sérias dúvidas a veracidade da motivação, segundo a qual estes imóveis seriam desnecessários”.

Pelo contrário, a Superintendência do órgão no Amazonas se posicionou contra a entrega do Cecan à SPU. Em reunião com o MPF, o setor técnico do Ibama no estado ressaltou a importância singular da área para a proteção ambiental, destacando a “rica biodiversidade e recursos hídricos” e sua posição estratégica para a conservação da fauna. O centro abriga hoje grande diversidade de animais, com mais de 400 espécies de aves, além de répteis e mamíferos. Entre eles está o primata Saguinus bicolor, conhecido como sauim de coleira, espécie típica de Manaus, inexistente em qualquer outro lugar do planeta e criticamente ameaçada de extinção.

Área estratégica
Situado no km 15 da Rodovia BR-174, o Cecan tem papel fundamental no processo de reabilitação, soltura e monitoramento de espécies no Amazonas. Isso porque atualmente o estado não possui áreas de soltura de animais silvestres (Asas) oficialmente cadastradas, como ocorre em várias outras unidades da federação. A reabilitação da fauna só é possível se houver um local adequado para a soltura dos espécimes apreendidos pelo Ibama.

“Como o Cecan tem sido uma área utilizada para esse fim há muitos anos e considerando que o Ibama/AM não dispõe de Asas oficialmente cadastradas, entendo que a instituição deve, estrategicamente, garantir a manutenção da área do Cecan, ou ao menos grande parte dela, visando dar segurança jurídica, técnica e operacional a futuros programas de reabilitação e soltura de animais silvestres em que o instituto esteja envolvido”, afirmou o MPF em sua ação.

Segundo a superintendência do órgão no Amazonas, a transferência do imóvel à União dificultou o processo de soltura de animais no local pelo Ibama, visto que, após a doação, tornou-se necessário pedir autorização da SPU para cada nova diligência.

“A supressão destes espaços de soltura e reabilitação de fauna silvestre compromete os desdobramentos administrativos próprios do poder de polícia ambiental, com destaque às apreensões de animais, ameaçados ou não, capturados em infrações. Este comprometimento resulta, por seu turno, em esvaziamento das atribuições do Ibama, no que já se denomina ‘cupinização institucional’ da política ambiental brasileira (expressão cunhada pela Ministra Cármen Lúcia em voto proferido no STF, quando do julgamento da ADPF n°760)”, afirmou a decisão da 7ª Vara Federal da Seção Judiciária do Amazonas.

Aumento de invasões
Em sua ação, o MPF também destacou que o Cecan encontra-se ameaçado por invasões, que se agravaram com a doação promovida à SPU. Relatórios, pareceres e ofícios incluídos no processo demonstram o aumento das ocupações ilegais e do desmatamento, possivelmente provocado pela incerteza quanto à destinação da área e pela expectativa de que ela possa ser submetida a regime de regularização fundiária. Fiscalização realizada no espaço identificou a construção de loteamentos e moradias, com destruição da floresta primária, além de instalação de rede elétrica e abertura de estradas, dentre outras intervenções sem autorização do Ibama que comprometem a soltura de animais.

“A equipe verificou que o processo de ocupação ilegal do Cecan continua e acelerou-se nos últimos anos. A instalação de serviços para fornecimento de energia torna a situação mais grave e sinaliza tendência de expansão da ocupação ilegal, caso esse processo não seja imediatamente contido”, destaca a decisão judicial. Além de suspender a doação do imóvel, a Justiça determinou que a União e o órgão ambiental coloquem placas de identificação em todos os acessos ao Cecan, informando que a área pertence ao Ibama, sendo proibida a invasão ou a ocupação do local, destinado à soltura de animais silvestres.

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