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Mãe de pedreiro que ficou 3 anos preso por erro da polícia desabafa, ‘ele pedia para tirar ele desse lugar’

O ministro Sebastião Reis Júnior, do STJ, afirmou que o problema do reconhecimento fotográfico tem sido tratado com certo descaso e lamentou a atuação do Ministério Público do Estado nesses casos. A Terceira Seção determinou, ainda, a comunicação da decisão à Corregedoria da Polícia Civil do Rio de Janeiro para providências.
Paulo Alberto da Silva Costa está preso desde 2020 por erro da Polícia Civil — Foto: Reprodução/TV Globo

Rio de Janeiro (RJ) – Após a Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) determinar nesta quarta-feira (10) que seja solto imediatamente o pedreiro de 37 anos acusado em 62 ações penais a partir apenas do reconhecimento fotográfico, pela Polícia Civil do Rio, sua família o espera ansiosamente para que ele saia do Complexo de Gericinó, em Bangu, na Zona Norte, ainda nesta quinta-feira (11).

Negro, Paulo Alberto da Silva Costa é réu por vários crimes e está preso desde 2020. Ele foi preso em casa, após ser revistado por policiais que faziam uma operação na região.

Ele é alvo de 70 inquéritos por crimes em cinco cidades do RJ, os quais já originaram 11 condenações, sendo 4 delas com o trânsito em julgado.

Em todos esses casos, a autoria do crime foi comprovada exclusivamente por reconhecimento feito por foto pelas vítimas em datas posteriores aos crimes. A Polícia Civil do RJ não produziu outros indícios que pudessem incriminá-lo.

Durante o julgamento, os ministros apontaram um caso claro de racismo em todo o processo conduzido pela Polícia Civil, Ministério Público e Justiça do Rio. Eles destacaram e criticaram a inclusão da foto de Paulo no álbum de suspeitos da Polícia Civil.

Essa situação nos mexeu com a alma, nesse dia. Porque, talvez, esse julgamento comece a mudar isso (reconhecimento apenas por foto). Com essa providência de também envolvermos a Corregedoria de Polícia para tentarmos construir uma polícia mais atenta a essas questões. Precisamos disso“, disse o ministro Marcelo Navarro Ribeiro Dantas.

Filho pediu que família provasse sua inocência

A dona de casa Maria José Vicente, mãe de Paulo, lembra que durante todos os anos, o filho implorava para que a família provasse sua inocência.

Ele pedia para tirar ele daqui ‘pelo amor de Deus”. Eu sempre disse para ele que ele sairia desse lugar e que a justiça seria feita. No momento em que ele foi preso, ele chorava e falava com a companheira que era inocente. (No dia da prisão), eu falei com o policial que o meu filho era inocente. Mas, ele falou que teria que levar o Paulo. Mas, eu falei que o meu filho voltaria”, conta dona Maria José, que completou: “Deus é justo e não falha”.

Por ordem dos ministros, Paulo terá que deixar a cadeia imediatamente. A família já o aguarda na porta da cadeia onde ele está, em Bangu. Paulo é pai de dois filhos menores.

“É uma emoção muito grande. Uma felicidade em saber que meu filho vai sair desse lugar. Eu não vejo a hora desse momento. A gente sempre falava para os filhos dele que o pai iria chegar. Hoje será diferente. Ele vai chegar e abraçar os filhos dele”, completou a dona de casa.

Instituto identificou irregularidades na investigação

O caso de Paulo foi identificado pelo Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD) e levado ao STJ em parceria com a Defensoria Pública do Rio.

Os ministros do STJ deram a ordem para soltar o porteiro e determinaram que juízes e tribunais reexaminem os demais 69 processos ou inquéritos, sob o ponto de vista de checar se a acusação segue a mesma dinâmica falha baseada apenas no reconhecimento por fotografia. Nos casos já transitados em julgado, a ordem é para que os juízes da execução façam o mesmo.

Antes de ser preso, Paulo nunca teve quaisquer antecedentes criminal.

A rotina de ser reconhecido por crimes começou em 2018, mas teve um boom entre dezembro de 2019 e janeiro de 2020, quando 44 investigações foram resolvidas mediante o reconhecimento do homem. As fotos apresentadas foram retiradas de redes sociais. Não se sabe ao certo como elas foram parar no álbum apresentado às vítimas pela Polícia Civil do Rio.

Durante sua sustentação no STJ, o advogado Guilherme Ziliani Carnelos, presidente do IDDD, definiu o caso do porteiro como uma violação sistemática de direitos de um homem negro que é “consumido por uma máquina de moer gente que se tornou o Poder Judiciário do Rio de Janeiro”.

Ninguém em primeiro grau notou esse caso. Trata-se de seletividade penal institucionalizada”, afirmou.

O ministro Sebastião Reis Júnior afirmou que o problema do reconhecimento fotográfico tem sido tratado com certo descaso e lamentou a atuação do Ministério Público do Estado, a quem caberia avaliar se as provas foram realmente bem produzidas ao receber inquérito.

Infelizmente, esse quase descaso com o caso concreto está sendo endossado pela Justiça, o que é mais assustador ainda”, disse.

Para o ministro Rogerio Schietti Machado Cruz, a situação retrata algo absolutamente vergonhoso, um desprezo pelo ser humano. Criticou o fato de a polícia se contentar com prova falha, que depende da memória humana e sujeita a uma série de fatores intrínsecos e extrínsecos que afetam capacidade de um ser humano reconhecer um rosto. “Ainda mais o rosto negro”.

“Por que em roubos somente esta prova gera condenação? Porque são pessoas pobres, invisíveis, sem recursos para custear uma boa defesa. São sortudos os que têm a Defensoria Pública para trazer esses casos, mostrando o que acontece não só no Rio de Janeiro, como em todo o Brasil”, afirmou.

A Terceira Seção determinou, ainda, a comunicação da decisão à Corregedoria da Polícia Civil do Rio de Janeiro para providências.

Fonte: g1

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