Por Raimundo Fabrício Paixão Albuquerque
Acordei naquela manhã com uma sensação estranha, como se o ar estivesse mais leve. Talvez fosse apenas impressão minha, mas até o café parecia mais saboroso. Liguei a televisão e lá estava a notícia que explicava tudo: “hoje é o dia livre de impostos”. Um experimento social, diziam os especialistas com ar solene, para que os cidadãos pudessem “sentir na pele” o impacto da carga tributária no cotidiano. O Estado é um mau administrador por natureza, como pensava Milton Friedman, enquanto eu observava as filas se formando nas portas das lojas como se fosse Black Friday em plena terça-feira comum.
Saí às ruas e o cenário era curioso. Pessoas corriam de um lado para outro com sacolas, carrinhos de compras transbordando, sorrisos largos como se tivessem ganhado na loteria. “O brasileiro médio trabalha cinco meses por ano apenas para pagar impostos”, comentou um senhor na fila do supermercado, enquanto eu calculava mentalmente quanto custaria minha compra sem os 40% de tributos embutidos. A psicologia do consumo é fascinante – bastou a promessa de economia para transformar cidadãos comuns em ávidos consumidores, esquecendo-se momentaneamente que amanhã tudo voltaria ao normal. Rousseau talvez explicasse a necessidade dos impostos como parte do contrato social que aceitamos tacitamente, ao abrirmos mão de uma parcela de nossa liberdade (e renda) em troca de serviços públicos que, no Brasil, parecem estar sempre em manutenção.
Lembrei de um economista pomposo na televisão dizendo que a sonegação e a economia informal no Brasil não nascem só da alta carga tributária, mas também da distância entre o ato de pagar impostos e a sensação de retorno em forma de serviços públicos. Quando as pessoas não veem os benefícios, desconfiam do sistema — e essa desconfiança alimenta a evasão fiscal, que, por sua vez, enfraquece ainda mais os serviços públicos, fechando um ciclo vicioso difícil de quebrar.
No almoço, o restaurante estava lotado. “Nunca vi tanta gente comendo picanha numa terça-feira”, comentou o garçom, enquanto servia uma mesa ao lado. A redução de preços pela ausência do ICMS, PIS, COFINS e outros impostos que normalmente encarecem cada garfada transformou o cardápio em algo acessível para muitos que normalmente pediriam uma refeição mais em conta. À tarde, passei em frente a um hospital público. A fila continuava a mesma de sempre. “Curioso”, pensei, “como um dia sem impostos não afeta em nada a eficiência do serviço público”. Talvez porque a ineficiência não seja apenas uma questão de recursos, mas de gestão, como apontaria qualquer manual básico de administração pública.
No caminho de volta para casa, observei um outdoor com a frase: “Aproveite hoje, porque amanhã a festa acaba”. A efemeridade da alegria fiscal me fez refletir sobre como normalizamos o absurdo. Pagamos impostos sobre a renda que geramos, sobre o consumo que realizamos e sobre o patrimônio que acumulamos – uma tripla incidência que seria considerada abusiva em qualquer relação contratual privada. “O Estado é necessário para garantir direitos fundamentais”, argumentaria alguém, mas, com o tempo, parece que ele passou a existir só para si mesmo, esquecendo seu verdadeiro papel.
Cheguei em casa e encontrei meu vizinho instalando uma placa solar. “Aproveitando o dia sem impostos?”, perguntei. “Na verdade, calculei que em três anos ela se paga só com a economia do ICMS da conta de luz”, respondeu ele, que, apesar do exagero, demonstrava a sabedoria prática de quem entendeu que, no Brasil, o planejamento tributário virou disciplina obrigatória desde o ensino fundamental.
Ao final daquele dia experimental, uma certeza permaneceu: não era o imposto em si o problema, mas seu destino incerto nos meandros da burocracia estatal. Como diria o mais otimista dos brasileiros, “a esperança não é a última que morre; a última que morre é a ilusão de que os impostos um dia serão bem aplicados”.
Raimundo Fabrício Paixão Albuquerque, Advogado, Especialista em Direito Ambiental, Mestre em Sociedade e Cultura (UFAM), Doutorando em Ciências Ambientais pela UFAM. Professor de Direito Tributário da Wyden.