Belém (PA) – Um estudo inédito identificou que peixes consumidos pela população em seis estados da Amazônia brasileira têm contaminação por mercúrio com concentração do metal 21,3% acima do permitido (entenda valores abaixo). A pesquisa foi feita por pesquisadores da Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca da Fundação Oswaldo Cruz (Ensp/Fiocruz), da Universidade Federal do Oeste do Pará (UFOPA), Greenpeace, Iepé, Instituto Socioambiental e WWF-Brasil.
Em Roraima, 40% dos peixes analisados possuem índices do metal pesado altamente tóxico superior ao limite recomendado pelas regras sanitárias e de saúde. O estado é o que apresentou o maior percentual de animais contaminados. Os dados foram divulgados nessa terça-feira (30).
Ao todo, foi identificado que peixes vendidos a consumidores que vivem no Acre, Amapá, Amazonas, Pará Rondônia e Roraima chegam às mesas das famílias com altos níveis de mercúrio – para os pesquisadores, essa alta tem relação com o avanço de garimpos de ouro. Foram coletadas amostras de 80 espécies de peixes em todas as capitais destes estados e de outros 11 municípios do interior.
A Organização para Alimentação e Agricultura das Nações Unidas (FAO/WHO) e a Agência de Vigilância Sanitária brasileira estabelecem teor de 0,5 micrograma por grama. Essa foi a base de cálculo usada no estudo para chegar ao nível de contaminação. Roraima ultrapassou de 5,9 a 27,2 microgramas esse potencial ingestão de mercúrio pela população por meio de peixes.
No estado, a pesquisa se concentrou em peixes que seriam vendidos para a população na capital Boa Vista. Pesquisadores coletaram 75 peixes de 27 espécies direto de pescadores em quatro rios: Uraricoera, Mucajaí, Branco e Baixo Rio Branco. Entre as espécies analisadas com maior contaminação estão o coroataí, barba chata, piracatinga, filhote e peixe cachorro.
Contaminação por mercúrio em peixes da Amazônia
Nível de mercúrio em amostra de peixes de 17 cidades do AC, AP, AM, PA, RO e RR, onde limite é acima do permitido.
- Rio Branco (AC) – 35,9%
- Porto Velho (RO) – 26,14%
- Humaitá (AM) – 25%
- Tefé (AM) – 2,13%
- Maraã (AM) – 2,08%
- São Gabriel da Cachoeira (AM) – 50%
- Santa Isabel do Rio Negro (AM) – 50%
- Manaus (AM) – 27,45%
- Boa Vista (RR) – 40%
- Oiapoque (AP) – 12,2%
- Macapá (AP) – 10,96
- Belém (PA) – 8,57%
- Altamira (PA) – 13,95%
- São Félix do Xingú – (PA) – 29,41%
- Santarém (PA) – 7,14%
- Oriximiná (PA) – 14,08%
- Itaituba (PA) – 21,13%
Consumo do peixe por faixas de idade
O estudo, denominado “Análise regional dos níveis de mercúrio em peixes consumidos pela população da Amazônia Brasileira”, foi desenvolvido de março de 2021 a setembro de 2022, com amostras de 1.010 peixes coletados nos 17 municípios, incluindo as capitais.
Para identificar o nível de contaminação dos peixes, os pesquisadores fizeram as coletas dos animais em mercados públicos, feiras-livres ou direto com pescadores – como foi o caso de Roraima. Depois, analisaram o impacto dessa contaminação na saúde humana, usando como parâmetro o consumo de peixe entre quatro grupos: homens adultos, mulheres em idade fértil, crianças de 2 a 4 anos, e de 5 a 12 anos.
“Fizemos o cálculo médio do peso corporal de cada um desses grupos, avaliamos o consumo estimado padrão em grama por dia de pescado. Baseado nos níveis de mercúrio detectados, chegamos ao número que é uma estimativa da ingestão média diária de mercúrio. Com base nessa ingestão, comparamos esse número calculado com uma outra referência de ingestão”, explica o pesquisador da Fiocruz, Paulo Basta.
O levantamento tinha como ideia avaliar qual o risco para a saúde humana em caso do consumo de peixe contaminado por mercúrio. O resultado em todas as regiões analisadas coloca em alerta a saúde pública, avaliação os pesquisadores.
Os pesquisadores afirmam que é necessário que o governo brasileiro desenvolva políticas públicas e programas que visem a garantia da segurança alimentar das populações mais afetadas, respeitando a soberania alimentar e o modo de vida de casa região.
“Este é o primeiro estudo que avalia os principais centros urbanos amazônicos espalhados em seis estados. Ele reforça um alerta para um assunto já conhecido, mas não resolvido, que é o risco à segurança alimentar na região amazônica gerado pelo uso de mercúrio na atividade garimpeira. É preocupante que a principal fonte de proteína do território, se ingerida sem controle, provoque danos à saúde por estar contaminada”, ressalta Decio Yokota, coordenador do Programa de Gestão da Informação do Iepé.
Do total geral de peixes estudados, 110 eram herbívoros, 130 detritívoros, 286 onívoros e 484 carnívoros. Os carnívoros, mais apreciados pelos consumidores finais, apresentaram níveis de contaminação maiores do que as espécies não-carnívoras.
A análise comparativa entre espécies indicou que a contaminação é 14 vezes maior nos peixes carnívoros, quando comparados aos não-carnívoros
Riscos à saúde
Altamente tóxico, o mercúrio é usado por garimpeiros que atuam ilegalmente na Amazônia durante a exploração de ouro, principalmente em territórios indígenas, como a Terra Yanomami. O metal é utilizado para separar o ouro de outros sedimentos e, assim, deixá-lo “limpo”.
Depois desse processo, o mercúrio é despejado no ambiente e, sem qualquer cuidado, e se acumula nos rios e entra na cadeia alimentar por meio da ingestão de água e peixes.
Como consequência, o mercúrio no organismo pode causar graves problemas de saúde que afetam o sistema nervoso (potencial neurotóxico), fica retido no organismo devido à capacidade de bioacumulação, além disso, a concentração aumenta em cada nível da cadeia alimentar.
Considerando a população de Roraima, o estudo indicou que estão mais vulneráveis à contaminação mulheres em idade fértil, que estariam ingerindo até oito vezes mais mercúrio do que a dose indicada, e crianças de 2 a 4 anos, com até 27 vezes mais do que o recomendado.
“Estamos diante de um problema de saúde pública. Sabemos que a contaminação é mais grave para as mulheres grávidas, já que o feto pode sofrer distúrbios neurológicos, danos aos rins e ao sistema cardiovascular. Já as crianças podem apresentar dificuldades motoras e cognitivas, incluindo problemas na fala e no processo de aprendizagem.”
“De forma geral, os efeitos são perigosos, muitas vezes irreversíveis, os sintomas podem aparecer após meses ou anos seguidos de exposição. É urgente a criação de políticas públicas para atender as pessoas já afetadas pela contaminação por mercúrio e medidas preventivas, de controle de uso”, reforça Basta.
A contaminação de mercúrio em Roraima já havia sido identificado em estudos anteriores. Um deles, revelou índices altos de contaminação de peixes em trecho do Rio Branco na cidade de Boa Vista (25,5%), Baixo rio Branco (45%), rio Mucajaí (53%) e rio Uraricoera (57%). Outro, detectou que rios na Terra Yanomami, onde há forte exploração de ouro com uso de mercúrio, estavam com 8600% de contaminação por mercúrio.
Fonte: g1